terça-feira, 10 de abril de 2012

Otelo e Dom Casmurro: consumidos pelo ciúme (Renata Lima)

Shakespeare é um nome mundialmente famoso. Mesmo quem não conhece suas obras literárias já viu um filme, uma série, uma peça adaptada e sabe que Shakespeare foi um grande escritor.
Ele nasceu na Inglaterra em 1564 e morreu em 1616 aos 51 anos de idade. Deixou 38 peças, 154 sonetos, dois longos poemas narrativos e outros incontáveis poemas. Costumam dividir sua obra em comédias, tragédias e dramas históricos.
Entre as tragédias estão "Hamlet", "Romeu e Julieta", "Rei Lear", "Macbeth" e "Otelo, o Mouro de Veneza". Entre as comédias estão "Muito Barulho por Nada", "Sonho de uma noite de verão", "A Megera Domada" e "A Tempestade". Nos dramas históricos estão "Rei João", "Henrique V", "Henrique VI" partes 1, 2 e 3, "Henrique VIII" e "Eduardo III".

Joaquim Maria Machado de Assis ou simplesmente Machado de Assis é um nome bastante expressivo na Literatura Brasileira. Se você perguntar para qualquer um na rua "quem foi Machado de Assis", todos responderão que foi um escritor, mesmo nunca tendo lido os seus livros.
Ele nasceu em 1839 e morreu em 1908 com 69 anos. Foi poeta, romancista, cronista, dramaturgo, contista, folhetista, jornalista e crítico literário. Tem 9 romances, 200 contos, 5 coletâneas de poemas e sonetos e mais de 600 crônicas. É considerado o introdutor do Realismo no Brasil com a publicação de "Memórias Póstumas de Brás Cubas" narrado por um morto.

Antes de começar as resenhas propriamente ditas, devo confessar que os dois livros em questão ("Otelo" e "Dom Casmurro") não foram leituras que escolhi, as duas foram leituras obrigatórias. "Dom Casmurro" li no colégio e meu primeiro contato com Shakespeare - além das adaptações - foi "A Tempestade" na faculdade durante as aulas de Literatura Britânica. Fiquei tão fascinada por Shakespeare que nas férias daquele ano li quatro tragédias seguidas.
Se em "Otelo" descobri a paixão de Shakespeare por sua língua materna, seu dom com as palavras e seu domínio linguístico, em "Dom Casmurro" descobri como Machado usa a linguagem culta, permeada de ironias e crítica social, e a intertextualidade, inclusive no que se refere à "Otelo".
Uma das correntes machadianas inclusive diz que o nome do personagem principal foi escolhido com base nessa intertextualidade. Ezequiel, o antagonista de Bento em "Dom Casmurro" é um nome bíblico. Bento Santiago, o personagem principal seria a junção de Santo e Iago (Iago é o antagonista de "Otelo"). Já Capitu, sugere caput, capitis que em latim quer dizer "cabeça", mas também pode ser interpretado como "esperteza", "inteligência" e foneticamente lembra a palavra "capeta".

Mas para uma análise mais profunda, vamos conhecer um pouco mais dos livros:

Nossa avaliação - 9.0
Otelo (vou usar o nome em português) é um general reconhecido por seus grandes feitos, atraindo assim a atenção e o amor de Desdêmona, filha de um dos senadores de Veneza. Enquanto casal, Otelo e Desdêmona têm entre eles um amor verdadeiro e coeso. Ela é sua companheira e o acompanha até mesmo durante a guerra. 
Conhecemos o enraivecido Iago, que acreditava que seria promovido a tenente, mas Otelo promove Cassio por amizade e porque Cassio o ajuda em seu romance com Desdêmona. Consumido pela raiva, Iago arma um plano para que o pai de Desdêmona descubra que ela fugiu para casar-se com o mouro e o senador - que queria que sua filha se casasse com um senador ou de classe igual - parte para matar Otelo.
Em meio a uma discussão, ambos são convocados ao Senado e lá Otelo descreve como começou seu amor com Desdêmona e ela confirma. Como Otelo é o único general capaz de enfrentar uma esquadra turca à caminho da ilha de Chipre, Otelo é inocentado e o casamento considerado válido. O casal parte para a guerra em barcos separados.
Ao desembarcarem na ilha, depois de uma tempestade furiosa, Otelo diz que a frota turca foi engolida pela tempestade.
Na ilha, Iago arquiteta mais um plano: colocar Otelo contra Cassio usando Desdêmona ou colocar Otelo contra Desdêmona usando Cassio, você escolhe. A partir daí a história fica tão sórdida e tensa que é impossível desgrudar do livro e não odiar Iago (ao mesmo tempo, ficamos abismados com sua inteligência e conhecimento da natureza humana).
Aos poucos Otelo vai enlouquecendo de ciúmes e, é claro, a história caminha para o final trágico de Desdêmona e dele próprio.
"Otelo" não é só uma obra sobre um amor trágico, mas também sobre racismo, preconceito, inveja, vingança e acima de tudo sobre manipulação e ciúmes.

A Disal Editora lançou em 2008 essa linda edição bilíngue, que recomendo muito para quem lê em inglês e tem essa veia crítica das traduções. Vale a pena!
O filme não decepciona, principalmente por ter a presença de Kenneth Branagh como Iago. Para quem não sabe, Kenneth Branagh integrou a Royal Shakespeare Company. Ele atuou em "Hamlet", "Henrique V", "Muito Barulho por nada" entre outras. Basicamente, a Royal Shakespeare Company faz montagens teatrais diversas, não só das obras de Shakespeare, mantendo ao máximo a proximidade com a peça ou a obra original.
Assistam, vale a pena! Claro, não é melhor do que o livro, mas a ideia central está lá e é muito bem desenvolvida! O filme também conta com a presença de Laurence Fishburne como Otelo.

Nossa avaliação - 8.0
Em "Dom Casmurro", Bento Santiago é um advogado narrando em primeira pessoa sua juventude. O título de "Dom Casmurro", ele justifica, é uma homenagem a um "poeta do trem" que certa vez o importunou com seus versos e que lhe chamou de "Dom Casmurro" por ter, segundo Bento, "fechado os olhos três ou quatro vezes" durante a recitação. Os vizinhos continuaram com o apelido porque estranhavam os hábitos reclusos de Bentinho.
Ele narra como foi enviado para o seminário depois que José Dias conta à sua mãe e a seu tio Cosme que Bento está de namoro com Capitolina, a vizinha pobre. No seminário, Bento conhece Ezequiel, que vira seu melhor amigo.
O tempo passa e Ezequiel vira comerciante bem-sucedido e casa-se com Sancha, melhor amiga de Capitu. Bento estuda Direito e casa-se com Capitu. Ezequiel e Sancha têm uma filha, e batizam-na de Capitolina. Bento e Capitu têm um filho, e batizam-no Ezequiel.
Pouco tempo depois Ezequiel, o amigo de Bento, morre afogado e durante o enterro Bento nota que o olhar de Capitu sobre o morto é um olhar de viúva.
A partir daí, Bento duvida da paternidade do próprio filho e defende (sob seu ponto de vista) que foi traído às escondidas. Aos poucos o ciúme de Bento toma proporções psicóticas.

No caso de "Dom Casmurro", o personagem principal não precisa de um "amigo" para soprar em seu ouvido toda a desconfiança sobre a esposa. No início do livro, ela já tem "olhos de cigana oblíqua e dissimulada". A neurose já está em Bentinho e tudo que se desenvolve, praticamente se desenvolve num crescente dentro dele. Já em Otelo, Iago é a fonte externa de rumores e fofocas que transforma Otelo em um homem amoroso e dedicado em um homem desconfiado e violento.

Ainda hoje pergunta-se sobre o adultério ou não adultério de Capitu. Obviamente, como o livro é narrado em primeira pessoa por um advogado, há uma visão tendenciosa. Inúmeros autores já escreveram sobre o tema, como Eugênio Gomes em "O enigma de Capitu".

Há uma certa polêmica em torno da frase usada por Machado de Assis em "Dom Casmurro" que diz: "Ela amou o que me afligira, eu amei a piedade dela". Shakespeare escreveu em Otelo: "Ela me amou porque passei perigos e eu a amei pela piedade que mostrou por eles." Gostei muito da opinião da Amanda Steilen na sua resenha que disse que "Foi a frase que fez com que eu me apaixonasse por Dom Casmurro e isso foi um pouco decepcionante porque no livro de Dom Casmurro, ao menos na versão que li, não tinha direitos autorais no trecho, nenhum asterisco para mostrar que aquela frase não era originalmente de Machado de Assis e sim de Shakespeare." E é isso mesmo. Não há nenhuma citação, nem na introdução, nem no rodapé, nem em lugar algum de que Machado tenha se baseado em Shakespeare, mas se baseou sim, o que em nada desmerece "Dom Casmurro" que para mim é o melhor livro dele. (Mas de todas as obras de Machado de Assis, eu ainda prefiro os contos.)
Uma recomendação quanto à "Dom Casmurro": se for ver os filmes, dê preferência para o filme "Capitu" de 1968, porque o filme mais recente "Dom" é muito ruim, apesar do elenco global e em quase nada lembra o livro. Pode-se dizer que ele é "inspirado" no livro.
Outra sugestão, que agora considero a melhor de todas, me foi dada pelo Arthur Arruda: a série exibida pela Rede Globo "Capitu". Teatral ao extremo, mas muito bem feita, a série foi bem fiel ao livro, utilizando inclusive diálogos e narrações. Estou no 2o episódio e até agora está valendo muito à pena. O Arthur me disse que o dvd é lindo e tem vários extras com as aulas que os atores tiveram com professores de Literatura sobre a obra de Machado de Assis. Trabalho primoroso assim é bem difícil de ver. A capa em si já é linda (abaixo).


Clique aqui e vá para o You Tube assistir ao Capítulo 1 - Parte 1 de "Capitu".


Quer ler "Otelo"? Clique aqui.


Quer ler "Dom Casmurro"? Clique aqui.



6 comentários:

  1. super indico o seriado de 4 capitulos "Capitu" da rede globo, disponivel DVD (que eu tenho)!

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    1. Eu não vi o seriado, Arthur. É bom assim?

      Vou procurar.

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  2. Dom Casmurro é estudado em universidades pelo mundo afora. As pessoas simplesmente são obcecadas pela verdade por trás da história do ciúme do cara. Ela traiu? Ou ele era um doente? O filho era dele mesmo? Um clássico. Quem prefere ler coisa ruim estrageira e diz que literatura brasileira é lixo deveria pastar. #fã

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    1. Tem muito livro nacional bom, assim como também tem muito livro nacional que nem deveria ter sido publicado!!!
      Algumas coisas eu odeio de todo o coração, coisas que li na faculdade e foram chamadas de "Clássicos", mas que pra mim são "Cháticos"!!!

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  3. "...Não há nenhuma citação, nem na introdução, nem no rodapé, nem em lugar algum de que Machado tenha se baseado em Shakespeare, mas se baseou sim, o que em nada desmerece "Dom Casmurro" que para mim é o melhor livro dele."

    Pelo menos na época do Machado, não havia muito essa ideia de de direito autoral e citar suas fontes (hoje algo assim seria chamado de plágio) e era bem fácil para Machado usar Shakespeare vendo que já era Domínio Público - e há toda a intertextualidade de Dom Casmurro e Otelo.

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    1. Verdade, Erick!

      E nem por isso deixa de ser uma delícia de leitura!

      Abraços!

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